Resolução da ANP facilitará adoção de
uma política de preços que atraia investimentos e remunere o capital investido
no setor
Plataforma P-48, operador. Foto: Arquivo ANP
PARCERIA DE CONTEÚDO
Espaço voltado à análise e proposição de soluções
para os sistemas de regulação do país e seu respectivo impacto para o
desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Profissionais de diversas áreas –órgãos
públicos reguladores, agentes privados regulados e do meio acadêmico–
produzirão conteúdo para a página.
Nos últimos tempos o setor de
petróleo e gás natural vem mudando no Brasil. Trata-se da maior transformação
desde a criação da Petrobras, em 1953, complementando o processo iniciado em
1997 com o fim do monopólio legal da Petrobras e com a criação da Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Nesse novo cenário,
a ANP tem operado com autonomia, cumprindo as suas funções legais de contratar
em nome do Estado, regular e fiscalizar o setor. A Petrobras tem um objetivo,
legítimo, de maximizar o valor para o seu acionista, sem interferência do
governo, mas ainda mantém uma posição de dominância no abastecimento de
derivados de petróleo, no setor de gás natural e na produção de petróleo em
campos maduros. Por outro lado, na distribuição de combustíveis e de gás de
cozinha (GLP), poucas empresas controlam uma parcela relevante do mercado.
Atento a esse quadro, o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) tem
sido ativo na avaliação de aquisições que poderiam aumentar a concentração no
setor, tendo inclusive barrado algumas delas.
As mudanças têm reflexos na produção
de petróleo e gás natural, na arrecadação, na geração de empregos e no mercado
de combustíveis, mas não foram ainda bem compreendidas pelo público em geral. A
Petrobras passou a se comportar como uma companhia de capital aberto, com ações
negociadas em bolsas de valores no Brasil e no exterior, respondendo aos interesses
dos seus acionistas, brasileiros e estrangeiros. Embora sob controle estatal, e
mantendo algumas vantagens em função disso, não atua mais como um braço do
Estado ou do governo na implantação de políticas ditadas pelo poder executivo.
Agora os membros da sua diretoria e conselho de administração agem com
independência.
Nesse novo ambiente, em que a
Petrobras busca maximizar os seus lucros, a empresa não deve poder exercer um
monopólio de fato no setor de refino, manter a posição dominante no setor de
gás natural e continuar operando campos de petróleo em bacias maduras sem
investir os recursos necessários para garantir o melhor aproveitamento das suas
reservas, como determinado nos contratos de concessão.
A Petrobras decidiu concentrar seus
investimentos no pré-sal, onde estão alguns dos seus ativos mais rentáveis.
Nada é mais certo. Como resultado, a produção nessa nova província tem crescido
rapidamente, 722% desde 2012. No entanto, a produção de petróleo na Bacia de
Campos caiu 38% nesse mesmo período. Nas bacias terrestres, particularmente no
Nordeste, reduziu-se em 35%. Na porção marítima da Bacia de Sergipe/Alagoas a
queda foi de 62%. O número de poços exploratórios diminuiu 89%; o de poços de
desenvolvimento, 70%. As consequências foram uma queda na arrecadação, na
atividade e no nível de emprego no Rio de Janeiro, no Espírito Santo e em
estados do Nordeste.
A Petrobras domina a produção, a
importação, a logística e a comercialização de gás natural. Esse grau de
concentração e a falta de investimentos são duas das razões pelas quais temos
um mercado de gás tão pouco desenvolvido no Brasil.
Ainda assim, as tentativas da
Petrobras de vender ativos no setor de gás natural, campos maduros nos quais
não tem mais interesse em investir e participações em refinarias enfrentam
resistências e dificuldades. A ANP tem o dever de dar transparência a essa
situação e de atuar em defesa dos interesses da União e dos consumidores. Já
solicitou ao CADE que avalie a questão do refino. Está trabalhando para,
em setembro, definir medidas que possa adotar nas áreas de gás natural e de
campos maduros, além de outras que devam ser objeto de recomendação ao CADE ou
ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética).
Para que a indústria local de
combustíveis seja bem-sucedida e para que o Brasil possa atrair os
investimentos necessários para aumentar a produção e diminuir a dependência
externa, os preços devem ser livres, seguindo o mercado internacional, mas
estabelecidos em um ambiente em que haja transparência e competição.
Como informado em relatórios
divulgados ao mercado, os preços praticados pela Petrobras consideram os
valores internacionais dos derivados de petróleo e o câmbio, além dos custos
para importação e de uma margem. Ao mesmo tempo em que a companhia pratica
preços acima da paridade internacional, a divulgação é feita de forma
incompleta. Só são anunciados, por exemplo, os valores da gasolina e do diesel
resultantes da aplicação da média aritmética dos preços praticados nos
diferentes pontos de entrega no território nacional, sem considerar os volumes
vendidos em cada local. Assim, não é por acaso que o consumidor tem
dificuldades em relacionar as variações dos preços nas refinarias aos
praticados nas bombas dos postos de gasolina e há reclamações dos seus
concorrentes quanto ao impacto dessa forma de comunicação no livre mercado.
É sabido que em setores em que há
baixa concorrência as empresas tendem a se valer de sua posição privilegiada
para maximizar suas riquezas, sem se preocupar em expor espontaneamente aos
demais agentes e aos consumidores as informações especiais que possuem. De
forma a mitigar essa falha, cabe ao regulador buscar corrigir essa assimetria
informacional, facilitando a compreensão da sociedade sobre o setor, aumentando
o acesso aos dados, e fornecendo a ela a ferramenta do conhecimento,
instrumento fundamental na busca da liberdade de escolha.
O setor de combustíveis não deve
continuar funcionando da forma que operava quando a Petrobras não tinha a
autonomia que tem agora e a formação de preços não acompanhava as variações
internacionais. Esse novo quadro precisa ser acompanhado de medidas para
favorecer a transparência e a competição. Como a aceitação pela sociedade da
política de precificação dos combustíveis é fundamental para garantir o
ambiente de estabilidade social necessário para a atração de investimentos, é
importante lembrar que a literatura registra que o consumidor aceita melhor as
variações de preço quando há transparência na sua formação.
Apesar do monopólio da Petrobras ter
sido formalmente extinto em 1997, os preços dos derivados só foram liberados em
01 de janeiro de 2002. Naquele ano, como neste, houve uma eleição presidencial
e o câmbio subiu muito. O mesmo ocorreu com o petróleo. Ao avaliar a evolução
dos preços ao longo desses últimos 16 anos percebemos que na maior parte do
tempo eles não estiveram alinhados ao mercado internacional. Em função da crise
que se abateu sobre a Petrobras, é facilmente lembrado que os preços estiveram
abaixo dos internacionais entre 2011 e 2014, o que impôs perdas severas à
empresa, inviabilizou o refino privado no Brasil e prejudicou a importante
indústria nacional de biocombustíveis. Mas não se menciona com frequência que
durante alguns períodos os preços estiveram acima dos praticados nos mercados
internacionais. Particularmente entre 2008 e 2009 e entre 2014 e 2016,
justamente quando o país atravessou as duas últimas recessões. Embora
algumas conclusões pareçam óbvias, estudos econométricos são necessários para
avaliar o impacto do desalinhamento dos preços na indústria de combustíveis
fósseis e de biocombustíveis e no setor produtivo como um todo, especialmente
quanto ao impacto na sua competitividade internacional e na sua inserção nas cadeias
produtivas globais.
Ao longo desse período, a Petrobras,
na sua condição de monopolista de fato, não foi capaz de atender a demanda
nacional. As importações de derivados cresceram, ao mesmo tempo em que a
exportação de petróleo aumentou. Exportações que vão continuar subindo, pois a
produção deve saltar dos atuais 2,7 milhões de barris por dia para 5,5 milhões
em 2027. A importação de derivados também deve se elevar como consequência da
esperada volta do crescimento econômico. Se o Brasil não praticar uma política
de preços que reflita as variações dos preços internacionais e do câmbio, não
terá investimentos para incrementar a produção de combustíveis, sejam fósseis
ou renováveis, aumentando a dependência de importações, diminuindo a eficiência
do programa Renovabio (que busca incentivar o consumo de etanol e biodiesel) e
prejudicando o cumprimento das metas de redução de emissões.
O recente episódio da greve dos
caminhoneiros mostrou as consequências para o setor e para o país de uma
política de reajustes de combustíveis que não tem a legitimidade trazida pela
transparência e fica sob questionamento da sociedade. Assim, enquanto a desejada
diversidade de agentes e a competição plena ainda não estiverem presentes em
todos os elos da cadeia, a indústria precisa encontrar formas de conquistar a
legitimidade necessária para praticar uma política de preços adequada. Isso só
será possível através do aumento da competição resultante da adoção de uma
maior abertura na formação e na divulgação dos preços. Sem um melhor nível de
transparência o país não terá um mercado estável, imune a protestos sociais ou
a intervenções governamentais. Continuará tendo um mercado vulnerável a ações
indesejada de agentes dominantes em busca de preços acima dos que seriam
obtidos em um ambiente diversificado, aberto e competitivo.
Assim, em função do mercado
brasileiro de combustíveis ainda não ser suficientemente diversificado, a ANP
colocou em consulta e audiência públicas uma resolução que tem como objetivo
ampliar a transparência na formação e divulgação dos preços dos derivados de
petróleo e gás natural. Essa medida visa promover a livre concorrência e proteger
os interesses dos consumidores. A versão final, que pode incorporar ajustes
após a avaliação das sugestões recebidas, deve ser publicada até outubro.
Os estudos que indicaram a
necessidade dessa medida foram conduzidos em continuidade aos resultados da Tomada
Pública de Contribuições (TPC), realizada entre junho e julho, que demonstrou
que deveriam ser aprofundados estudos visando à elaboração de resolução
estabelecendo mecanismos de aumento da transparência na formação dos preços dos
combustíveis.
Essa minuta de resolução inclui
medidas aplicáveis a todos os elos da cadeia de derivados de petróleo, gás
natural e biocombustíveis: produção, importação, distribuição e revenda. No
caso dos produtores e importadores que detêm uma participação de mercado superior
a 20% em uma macrorregião política do País, a fórmula utilizada para
precificação do produto correspondente, bem como o preço resultante, para cada
um dos produtos à venda, em cada ponto de entrega, deverão ser publicados nos
seus próprios sites na internet. As informações deverão ser publicadas somente
no ato do reajuste do preço ou da alteração dos parâmetros da fórmula. A ANP
publicará as mesmas informações em seu portal na internet.
Como a produção local não é
suficiente para atender a demanda por derivados de petróleo, os preços são
baseados na paridade de importação, ou seja, no custo de comprá-los no mercado
internacional e interná-los no país. A fórmula informada deve representar a
soma do preço internacional (obtido através da referência escolhida pelo
produtor ou importador) com os custos de internação e com a margem necessária
para viabilizar a importação dos volumes não produzidos nas refinarias
nacionais. Existem diferentes referências internacionais para cada produto. Nos
mercados líquidos, como os dos Estados Unidos, os preços praticados são
conhecidos e divulgados diariamente em cada ponto de venda. Esses preços é que
estabelecem as margens de lucro dos refinadores americanos, que adquirem
petróleo em condições de mercado e incorrem em custos operacionais. Os custos
de internação no Brasil e o preço final do produto importado estão incluídos
nas notas fiscais. Os preços praticados em cada ponto de entrega são conhecidos
pelos agentes envolvidos, mas não são divulgados de forma organizada porque não
existe previsão para isso na regulação brasileira.
Essa resolução trata justamente de
trazer essa transparência, reduzindo a assimetria de informações. Não de abrir
as margens das refinarias que operam no Brasil que, como no caso americano, são
dadas pela diferença entre o faturamento obtido aos preços de referência
escolhidos e os custos de aquisição de petróleo, de logística e de refino, que
são, e permanecerão sendo, informações confidenciais das empresas. Não abre,
portanto, as margens das refinarias, como poderia parecer em uma avaliação
superficial. Da mesma forma que não são públicas as margens das refinarias
americanas, que também vendem derivados com base em preços de referência. A
resolução, além disso, antecipa condições a serem aplicadas aos mercados
regionais no momento em que a Petrobras avançar no processo de desinvestimento
de participações em refinarias e, ao dar clareza e diminuir o grau de incerteza
quanto à sistemática de precificação dos derivados, aumenta a atratividade do
setor de refino para novos entrantes, facilitando o processo de venda e a
atração de investimentos.
Os demais produtores e importadores
de derivados de petróleo e biocombustíveis deverão informar à ANP o preço e
todos os componentes da fórmula de preço adotada, por produto e ponto de
entrega, sempre que houver reajuste de preços ou alteração nos parâmetros da
fórmula. Somente os preços médios finais praticados, com uma defasagem mínima
de 30 dias, serão divulgados. Com isso, a chance de conluio por partes dos agentes
fica limitada.
Nos contratos de fornecimento de
derivados de petróleo em que se exige homologação prévia da ANP, caso, por
exemplo, dos acordos entre produtores e distribuidores, será obrigatória a
inclusão de fórmula de preços, com todas as parcelas definidas de forma clara,
objetiva e passível de cálculo prévio pelas empresas envolvidas. A exemplo do
que será informado pelos produtores e importadores, a referência adotada deverá
ser largamente utilizada e possuir cotações de fácil acesso. Além disso, o
preço praticado não poderá divergir do calculado mediante a fórmula prevista em
contrato. Com isso, a possibilidade de abuso de poder econômico por parte de
qualquer agente dominante fica reduzida.
Por sua vez, os importadores e
distribuidores de derivados de petróleo e biocombustíveis deverão acrescentar
os preços de venda às informações já encaminhadas mensalmente à Agência por
meio eletrônico. Essas informações serão publicadas no portal da ANP na
internet com defasagem de pelo menos 30 dias. O que se requer é apenas que os
dados de preço de venda sejam incorporados às informações já prestadas. Não
havendo geração de demanda adicional excessiva, nem aumento da burocracia. Os
benefícios, nesse caso, suplantam os custos administrativos.
Com o objetivo de desenvolver um
ambiente organizado para a comercialização de gás natural, a ANP promoverá a
elaboração de contratos padronizados de compra e venda, em processo que contará
com a participação dos agentes da indústria e por meio de consulta e audiência
públicas. A intenção é que esses contratos possam ser negociados em bolsa no
futuro. Os preços praticados nos mercados organizados de gás natural serão
publicados mensalmente.
Os revendedores varejistas de
combustíveis líquidos e de GLP deverão incluir os preços atualizados no sistema
Infopreço. Um aplicativo de celular que será desenvolvido pela ANP trará os
preços praticados pelos revendedores, bem como a sua localização. Mais à frente
deverão ser adicionadas informações ainda a serem definidas sobre a qualidade
dos combustíveis. Apesar de existir literatura indicando que a divulgação
instantânea dos preços praticados na revenda pode facilitar uma ação coordenada
dos revendedores em prejuízo do consumidor, e do CADE ter levantado essa
preocupação em nota técnica enviada à ANP, a Agência acredita que o benefício
de uma maior transparência supera os riscos de formação de cartel. De qualquer
forma, se no futuro for comprovado que qualquer das medidas adotadas por meio
desta resolução cause prejuízos à concorrência ou ao consumidor, a ANP não
exitará em revisá-la.
Essa resolução, ao reduzir a
assimetria de informações no processo de precificação dos derivados do
petróleo, facilitará a adoção perene de uma política de preços que atraia
investimentos e remunere o capital investido no setor. O conjunto dos seus
resultados, apesar de contrariar interesses no curto prazo, vai beneficiar no
longo prazo a Petrobras, a indústria brasileira de combustíveis fósseis e
renováveis e, especialmente, a sociedade e o consumidor brasileiros.
DÉCIO ODDONE –
Diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis