Sócia do escritório koury Lopes advogados, onde lidera a prática de compliance, e perita da ONG transparency international, Isabel franco afirma que a corrupção das empresas no Brasil pode ser maior que a do governo. Segundo ela, a assinatura da convenção da OCDE, que criminalizará empresas corruptas, tende a mudar essa cena, porque exigirá a implantação de programas de compliance e uma nova postura.
5 Quão corruptas são as empresas brasileiras atualmente?
No Brasil, costuma-se ouvir falar sempre em corrupção ligada ao setor público, porque é o que sai na mídia, mas o fato é que corrupção existe no setor privado na mesma medida ou até mais. Embora isso não seja mensurado, percebe-se um enorme contingente de profissionais de empresas que pagam uma propina particular comercial aqui ou dão presentes em troca de favores acolá. Como não há uma legislação que proíba tais práticas, configurando-as como fraude, isso não aparece. É uma pena, porque uma mudança na postura das empresas em relação ao procedimento teria enorme impacto na sociedade. Os idealistas do combate à corrupção no mundo atual, eu incluída, acreditam que começar na empresa talvez seja o melhor caminho para se exterminar a corrupção.
4 - Há sinais exteriores de corrupção que sirvam de alerta para o CEO ou o conselho de administração?
Se um fornecedor pratica um preço que não é de mercado, alguma coisa errada foi feita, pode ter certeza. Em vez de um executivo superior achar que o gerente foi eficiente em contratar alguém muito barato, por exemplo, ele deve questionar-se se não há algo de “podre” nessa contratação – o mesmo vale para valores muito superiores e para contratação de fornecedores sem expertise comprovada. Aliás, para não haver surpresa com práticas ilegítimas de fornecedores, é fundamental ter um relacionamento próximo com eles. É muito importante também que as empresas estabeleçam metas razoáveis para seus profissionais e não criem expectativas tão inatingíveis que se configurem em um convite a usar métodos pouco ortodoxos para alcançá-las.
3 - O brasileiro é culturalmente corrupto?
Brasileiro sempre acha que tudo aqui é pior que no resto do mundo e isso não procede. Eu morei em vários países e posso dizer com segurança que a tendência à corrupção existe em toda parte; ela precisa é ser contida.
Agora, nós, brasileiros, nascemos e crescemos engessados na burocracia que vem de um Estado superdimensionado e que fiscaliza tudo o tempo todo. Nossa cultura nos diz que somos culpados até que se prove o contrário e essa estrutura de fiscalização superdimensionada cria mais oportunidades para a corrupção.
O regime militar talvez também tenha deixado como herança uma aversão às denúncias, vistas como delação, o que dificulta o combate à corrupção, mas sou otimista sobre a superação disso, porque cada vez mais sinto que há executivos brasileiros bem-intencionados batalhando para erradicar a corrupção. Aliás, isso fica claro até por como o Brasil é percebido no mundo, na medição da Transparency International. De todos os BRICs [Rússia, Índia e China completam o acrônimo], o Brasil é o país menos corrupto. Vale dizer que o Brasil é percebido como o 73º país menos corrupto do mundo e o 13º menos corrupto das Américas, apesar de, em outro ranking da Transparency International, o das empresas que mais pagam propina no exterior, ele ter infelizmente galgado três posições no último ano e ser o 14º mais corrupto.
2 - Como é a relação custo–benefício de um programa de compliance? Pagar propina não sai mais em conta, se você me permite uma pergunta amoral?
Muitas empresas veem os programas de compliance como um custo muito alto, e nós temos de explicar que é um investimento, porque o que elas podem pagar de multas, a perda da reputação, a queda no valor das ações são custos muito mais altos. Isso sem contabilizar os valores absolutos das próprias propinas ou dos desfalques internos. E um estudo que fizemos recentemente com a Ápis Investimentos provou que empresas com programa de compliance têm um valor de mercado maior. Sabe o que acontece? Normalmente, as empresas são vendidas pelo Ebitda [lucro antes dos impostos] multiplicado por um fator “x” e, nessa pesquisa, notamos que as empresas com governança corporativa já consolidada conseguem um múltiplo “x” maior.
Agora deve vir novidade por aí, com a assinatura da convenção contra a corrupção da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] pelo Brasil: por essa convenção, os países devem criminalizar as empresas por corrupção. Ninguém vai ser detido, mas será necessário pagar multas e haverá sanções de ordem criminal.
1 - O que acontecerá então?
Provavelmente vamos assistir a um movimento que já ocorreu em outros países. Primeiro, as empresas entram em um estado de paranóia total. Depois, começam a só contratar pessoas que passem pelo crivo da integridade. Então, monitoram seus funcionários, fornecedores e parceiros e colocam ordem na casa, fazendo, por fim, um programa de compliance completo, que ajude a empresa a ter uma reputação ilibada. Agora, se escorregar e for pega, a organização pode cair em desgraça e acabar, como aconteceu com a Enron.
Um programa de compliance completo ajuda a empresa a criar códigos de conduta, de ética e de boas práticas; avalia seu risco de exposição a autoridades do governo; mapeia todos os relacionamentos com terceiros e organiza um grupo de funcionários internos para monitorá-los; faz treinamentos que envolvem do presidente até o office-boy para criar a consciência do que é a corrupção e de quão nociva ela é para as empresas e para os cidadãos; explica a todos como é a legislação anticorrupção no mundo inteiro etc. Um programa assim começa com um levantamento detalhado de todo o funcionamento da empresa para entender suas vulnerabilidades, porque é muito fácil esconder a corrupção de um funcionário em uma organização.
A Alemanha recentemente ratificou a convenção da OCDE e é um modelo interessantíssimo para o Brasil. Até uns 12 anos atrás, mais ou menos, ela dava isenção fiscal ao pagamento de propina no exterior –ou seja, corrupção era uma prática oficial e legítima para alemães no exterior. Agora, ela processou uma empresa tão tradicional quanto a Siemens por corrupção, que não apenas precisou pagar uma fortuna em multas, como também teve presos membros de seu conselho de administração.
E vários acionistas estão processando a empresa pela queda do valor de suas ações. O Japão é outro em que a prática de corromper era normal e eles conseguiram acabar com isso, mudaram a mentalidade. Então, por que a gente não conseguiria? Quando as pessoas se dispõem a fazer as coisas, elas acontecem.
sexta-feira, 25 de maio de 2012
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