Neste ano de 2016, o Código de Segurança Contra
Incêndio e Pânico do Estado do Rio de Janeiro (COSCIP-RJ) fará exatos 40 anos.
Se não fosse tão preciso nas suas prescrições relativas à segurança, certamente
o COSCIP-RJ já teria sofrido inúmeras modificações. Sucede, entretanto, que o
art. 144 dessa legislação de segurança encerra uma proibição de uso de botijões
e cilindros de gás em locais servidos por gás encanado. Esta é uma restrição
que não nos parece adequada aos tempos atuais, especialmente sob o prisma da
Constituição Federal de 1988, notadamente pelos filtros dos basilares
princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.
Com efeito o Decreto n.º 897/76 (COSCIP-RJ)
regulamenta o Decreto-lei no 247, de 21.7.1975, fixando os requisitos exigíveis
nas edificações e no exercício de atividades, estabelecendo normas de Segurança
Contra Incêndio e Pânico, no Estado do Rio de Janeiro, levando em consideração
a proteção das pessoas e dos seus bens, data de 29.09.1976. Não é um padrão
brasileiro tamanha longevidade legislativa. Compete ao Corpo de Bombeiros, por
meio de seu órgão próprio, estudar, analisar, planejar, exigir e fiscalizar
todo o Serviço de Segurança Contra Incêndio e Pânico, na forma estabelecida no
COSCIP-RJ. O art. 144 de tal Decreto estatui que: “Nas edificações dotadas
de instalações internas situadas em ruas servidas por gás canalizado
não será́ permitida a utilização de gás em botijões ou cilindros.” (grifou-se).
Em nossa visão, a intervenção estatal na economia
que não seja para corrigir falhas de mercado já se mostrou, além de pouco
efetiva, deletéria para a sociedade. Mesmo em 1975, quando o serviço de
abastecimento de gás canalizado era objeto de prestação do Estado (sob condição
de monopólio), que realizava investimentos de alta monta para instalação e
conservação dos dutos, esse tipo de “proteção” já poderia ser vista como pouco
justificável.
O regime de livre concorrência e execução privada
de atividades econômicas (sob a supervisão da regulação estatal) tem se
mostrado mais eficiente ao longo do tempo. Sem sombra de dúvidas, o art. 144,
acima citado, traduzia regra de intervenção do Estado na vida privada, o que,
sob plena vigência de um regime militar, de fortíssimo dirigismo estatal, era
algo muito comum, mas, de forma alguma justificável. Um grande exemplo de tal
modelo era a SUNAB (Superintendência Nacional do Abastecimento), à qual
competia, dentre outras coisas, aplicar a legislação de intervenção no domínio
econômico para assegurar a livre distribuição de mercadorias e serviços
essenciais (art. 2º, VI, da Lei Delegada n.º 5, de 26.09.1962),
disciplinar tais atividades, podendo inclusive tabelar preços e desapropriar
bens. Depois da promulgação da CF/88, por meio da Lei n.º 9.618/98, o
Poder Executivo foi autorizado a extinguir a anacrônica SUNAB, que não tinha
mais a menor razão de existir sob um regime de livre concorrência.
Assim, sob os vetores neoliberais, que passaram a
incidir no Brasil com mais força a partir da década de 1990, o Estado foi se
retirando paulatinamente da atividade econômica, mantendo-se apenas naquelas
consideradas estratégicas (conforme as prescrições constitucionais). Foi quando
teve lugar a fase das privatizações. O aparato estatal foi direcionado (com
todas as falhas que conhecemos, mas que não constituem objeto deste trabalho)
para as atividades inerentes de segurança, educação, saúde, infraestrutura.
Deu-se também mais enfoque ao exercício da função regulatória. Uma das empresas
objeto de privatização foi a CEG. O Estado do Rio de Janeiro abriu mão da
execução direta do serviço de distribuição de gás canalizado, passando,
todavia, esse monopólio para uma concessionária privada.
A participação do Estado em regime de monopólio na
distribuição do gás canalizado já não existe mais. Porquanto, ainda mais do que
antes, não se pode admitir que uma empresa privada seja favorecida por uma
regra protecionista típica de uma era de dirigismo estatal. Este tipo de
protecionismo já foi sepultado e não faz nenhum sentido que seja mantido, em
detrimento das demais empresas (igualmente privadas e igualmente atuantes em
uma atividade de utilidade pública). Todas essas empresas, inclusive as de
distribuição de gás canalizado, possuem guarida constitucional da livre
iniciativa e da livre concorrência.
Ademais, é de interesse dos consumidores que se
permita a liberdade de iniciativa e concorrência no setor de fornecimento de
gás domiciliar (seja o GLP ou o gás natural, este fornecido no modal encanado).
A abertura total do mercado, sem qualquer intervenção estatal que tenha o
objetivo de controlar a concorrência, tem se provado a melhor forma de extrair
dos comerciantes e prestadores de serviços o melhor para os consumidores. O
mercado livre é o fundamento de uma economia vibrante. A competição agressiva
entre fornecedores em um mercado aberto dá aos consumidores — indivíduos e empresas
— os benefícios de preços mais baixos, maior qualidade de produtos e serviços,
maior possibilidade de escolhas, e inovação.
Nada poderá, hoje, impedir que o consumidor faça a
sua escolha pelo gás canalizado ou pelo GLP, este fornecido em botijões, cilindros
ou a granel. Caberá à empresa que empreende na distribuição do gás canalizado,
conquistar e manter o seu mercado, oferecendo melhores serviços e preços mais
competitivos, como em qualquer situação sob o regime de livre competição.
Trata-se do risco empresarial, inerente à liberdade de iniciativa.
Assim, fica claro que o art. 144, do Decreto n.º
897/76, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, na medida em
que não se compatibiliza com os princípios insculpidos nos artigos 1º, IV, 170, caput (livre
iniciativa), e 170, IV (livre concorrência), da Carta Magna.
Já o eventual argumento em torno do risco dos
botijões ou cilindros de GLP, não resiste a meio minuto de reflexão, donde
extraem-se duas coordenadas mentais que o fulminam integralmente.
Em primeiro lugar, a distribuição de GLP é regulada
e autorizada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis –
ANP, órgão técnico com competência para disciplinar essa atividade.
Simplesmente não é crível que a agência reguladora federal permitiria o uso de
botijões ou cilindros, se os mesmos fossem inseguros além do tolerável. Em
segundo lugar, o próprio COSCIP-RJ prevê que, em locais onde não exista serviço
de gás encanado, pode-se usar o GLP. Não é crível que, exclusivamente em função
da inexistência do gás encanado em determinado local, o uso de GLP passe a ser
seguro.
É óbvio que, sob a perspectiva da segurança, o GLP
pode ser usado, onde há e onde não há gás encanado. Acidentes ocorrem, com GLP
ou com o gás encanado, mas, até que uma outra tecnologia os substitua, com
efetividade e economicidade, suplantando-os ademais sob a ótica da segurança,
ambos deverão seguir sendo utilizados. Em respeito aos princípios
constitucionais já exaustivamente citados, essa utilização deve dar-se em
regime de plena competição. Os consumidores, sem dúvidas, ficarão imensamente
agradecidos.
Daniel Braga &
Advogados Associados
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