sábado, 29 de janeiro de 2011

Gás nosso de cada dia


Quando estamos em nossas residências e vemos passar os caminhões que entregam gás, nunca paramos para pensar na longa trajetória percorrida pelo produto até chegar em nosso poder, pois para nós, cidadãos comuns, em princípio, não interessa saber o caminho percorrido pelo produto para chegar até nossos lares, o que interessa é apenas o fato de que conseguimos adquiri-lo.

Mas, se pararmos um instante para analisar friamente, iremos perceber que, na verdade realmente nos importa a trajetória percorrida pelo produto, pois é disto que depende a qualidade, a segurança e principalmente o preço do botijão que consumimos.

A idéia que temos do mercado, no caso o de produção e comercialização do GLP, é a seguinte:

I-) A Petrobrás, que é a produtora, repassa seus produtos a todas as Distribuidoras por um preço único e sob as mesmas condições de pagamento.

II-) as Distribuidoras adquirindo o produto por um mesmo preço, acrescentam a este os seus custos e o seu lucro, fornecendo então, o produto aos seus revendedores, dentro de igualdade de condições e preços aos adquirentes.

III-) Os Fornecedores após a aquisição do produto, acrescentam seus custos e sua margem de lucro e repassam o produto ao consumidor final.

Assim, dentro deste mercado,o que efetivamente se espera, é que o GLP chegue ao consumidor final, por um revendedor legalizado , em condições parecidas de preço e qualidade.

Mas a situação acima não passa de uma utopia, pois o mercado real é completamente diferente do mercado ideal.

Dentro do cenário acima delineado, o único fato que realmente acontece está na produção e no fornecimento de GLP pela Petrobrás, que ante sua condição de única produtora, se vê em condição confortável no mercado, pois não precisa agraciar este ou aquele cliente para ganhar maior participação ou manter sua clientela.

As diferenças começam a existir no momento em que as Distribuidoras passam a intervir no mercado, pois decorre da atuação destas, as diferenças de qualidade e preço que os consumidores verificam na prática e que tanto tocam seu bolso quando vão adquirir o gás de cozinha.

Os modelos administrativos, neste caso não têm tanta importância, haja visto a maioria das empresas atuarem da mesma forma, adquirindo o GLP da Petrobrás e adicionando a ele suas despesas e custos de manutenção para posteriormente acrescer-lhe a sua margem de lucro.

A partir deste momento, começa a surgir todo o tipo de luta pelo mercado, passando a existir práticas comerciais desleais e predatórias, tudo no intuito de desestruturar
ou destruir a concorrência e aumentar a fatia de mercado.

Na busca pelo aumento ou simples permanência no mercado, estes agentes de mercado abusam no cometimento de práticas desleais, por exemplo, quando pretendem atingir a concorrência das demais, utilizam-se de dumping, ou quando por capricho ou outras razões espúrias decidem que um de seus clientes não lhes interessa mais e deve sair do mercado, passa então a discriminá-lo, seja por meio de condições operacionais de venda ou com preços diferenciados para cima.

Embora o preço abaixo do valor de custo pareça favorecer ao consumidor, o que apenas em um primeiro momento é correto, a médio prazo, esta situação se reverte, pois a Distribuidora ou revendedor que então repassava seus produtos por um preço baixo, ao eliminar a concorrência, acaba por obter uma posição dominante no mercado, podendo assim, impor seus preços sem correr riscos de perder mercado.

Deste modo, depois de dominado o mercado, a situação se reverte, pois o que antes favorecia aos consumidores, passa a ser lhes extremamente prejudicial, com sensível aumento de preço, sem que ele tenha outras opções para aquisição do produto.

É sabido que um fornecedor, atendendo às condições de seus clientes, como a quantidade de produto adquirido ou a pontualidade com que honra seus compromissos, pode querer favorecê-lo, concedendo-lhe descontos ou prazos maiores para pagamento.

Nestes casos, não se pode fazer qualquer censura à prática do fornecedor, pois ele está favorecendo um cliente que lhe dá mais lucro e que lhe paga pontualmente.

Ocorre que, uma prática comum por parte das Companhias Engarrafadoras é a discriminação de preços, segundo a qual fornece a um de seus clientes um preço mais baixo que o dos outros, embora os demais adquiram a mesma quantidade de produto e paguem com a mesma pontualidade.

As práticas abusivas citadas acima são apenas alguns dos expedientes utilizados pelas Distribuidoras na luta pelo mercado, mas não, se resumem apenas nestas, pois no dia-a-dia, podemos perceber inúmeras outras práticas abusivas e até mesmo ilegais praticadas pelas Distribuidoras ou revendedores.

Passada esta fase da cadeia de comercialização do GLP, que é onde ocorrem os maiores abusos e causas de variação nos preços e na qualidade do produto que chega ao consumidor final, temos a última fase da cadeia, que é o fornecimento do GLP pelas Revendedoras ao consumidor final.

Diante desta exposição, vislumbra¬mos alguns dos motivos que fazem com que o GLP que consumimos em nossas casas, seja por nós adquiridos sempre com certa variação de preço, sendo que na maioria das vezes, a variação chega a ser tão monstruosa que pensamos estarmos sendo ludibriados pelo motorista do caminhão de gás, quando na verdade, os responsáveis por tal variação estão bem distantes de nós.
No caso do consumidor, para que este possa se defender contra abusos e irregularidades na venda de produtos ou na aquisição de serviços, a principal arma posta a sua disposição do consumidor é a Lei 8.078/90, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor.

Já no caso de existência de revendedores clandestinos, o que prejudica não apenas os consumidores finais mas também os revendedores legalizados, o meio apropriado à nossa disposição pelo legislador pátrio, trata-se da Ação Civil Pública, ação esta, que pode ser proposta por alguns entes, como o Ministério Público ou Sindicatos, por exemplo.

Quanto à parte intermediária da cadeia, outro instrumento de defesa posto à disposição pelo legislador, mas que pode e deve ser usado principalmente pelos Revendedores quando da relação com as Distribuidoras, é a Lei 8.884/94, mais conhecida como Lei Antitustre.

Esta Lei traz em sua exposição de motivos a finalidade de defender a ordem econômica, combatendo o abuso do poder econômico e a concorrência desleal, sendo um eficiente meio para o Fornecedor se defender das armadilhas e condições injustas e arbitrárias impostas pelas Distribuidoras no fornecimento de GLP.

A Lei 8.884/94 proíbe a prática de atos comerciais que atentem contra a ordem econômica e a livre concorrência, sendo que em seu artigo 21, estão previstos alguns casos de infração à ordem econômica, como o dumping, prática comum na luta entre Distribuidoras concorrentes e a discriminação de preços, na relação entre Distribuidora e Revendedor, por exemplo.

Entretanto, as infrações à ordem econômica, podendo ser consideradas como contrárias à Lei Antitruste, não ficam restritas apenas aos casos previstos no artigo 21 desta lei.

Algumas práticas que mesmo não tendo sido mencionadas neste artigo acabam por atentar contra a ordem econômica e a livre concorrência, sendo também consideradas ilegais.

A Lei Antitruste acaba por se tornar uma grande aliada na luta contra as práticas desleais, injustas e arbitrárias que freqüentemente são cometidas por alguns agentes de mercado na tentativa de aumentar seus lucros e dominar o mercado, e que acabam prejudicando não apenas a Distribuidora concorrente e os Revendedores, mas também, por via obliqua, os consumidores finais.

Diante de tudo o que foi exposto neste artigo, ao adquirirmos o GLP, fica impossível ficarmos calados e não pararmos para refletir sobre o longo caminho percorrido por ele, desde a sua extração até a chegada em nos¬sos lares, e as várias práticas comerciais utilizadas, sejam abusivas ou não, contrárias ou não à lei, e assim, a partir desta reflexão, podemos entender o por quê da grande diferença de preço e qualidade que existe no fornecimento do nosso gás de cozinha.

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