O ex-presidente santista, Marcelo Teixeira, pediu a palavra para falar sobre o atual momento do futebol feminino do clube. Confira esta entrevista exclusiva!
O encontro aconteceu em sua sala no prédio da UniSanta, num dia de muito calor em Santos. Marcelo Teixeira atualmente trabalha única e exclusivamente para a Universidade Santa Cecília e não tem intenção de voltar a brigar pelo comando do Santos: “Não quero voltar a gerência do Santos, não. Foram 10 anos dedicados ao clube, sem finais de semana com a família, com muitas coisas para administrar. A gente fica um pouco cansado. Estou bem atuando como educador que sempre fui.”
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Marcelo Teixeira foi um dos grandes responsáveis pelo “up” no futebol feminino brasileiro ao montar um departamento totalmente voltado e estruturado para a modalidade, elevando, inclusive, o moral das atletas, que se sentiram valorizadas com a estrutura que lhes foi posta à disposição para o trabalho. Além, claro, da contratação da então três vezes melhor do mundo, Marta: “Visão, apenas visão”, é o entendimento de Marcelo Teixeira sobre o assunto.
Entretanto, após a demissão do técnico Kleiton Lima do comando das Sereias da Vila, aliado ao fraco desempenho comercial/midiático da II Edição da Libertadores da América Feminina, Marcelo Teixeira pediu a palavra para expôr sua preocupação com o futuro da equipe feminina do Santos.
Kleiton Lima
O anúncio do afastamento de Kleiton Lima do comando das Sereias aconteceu pouco antes do Natal e pegou a todos de surpresa. Nas palavras do Diretor do Departamento de Futebol Feminino do alvinegro, Murilo Barleta, os compromissos que Kleiton teria no decorrer deste ano com a seleção brasileira, seriam, de certo modo, prejudiciais ao bom desenvolvimento do futebol das meninas, sendo seu afastamento a melhor decisão.
Kleiton Lima em Abril/2010 treinando as Sereiras na praia
“A demissão do Kleiton pegou a todos de surpresa. Ele ficou no Santos por 13 anos, sendo totalmente preparado para a função que desempenhava, acumulando, algumas vezes outras funções necessárias para um esporte ainda em evolução. Quando soubemos de sua demissão, e as razões para tal atitude, ficamos realmente chocados, porquanto durante o tempo em que acompanhei seu trabalho tanto no Santos, como no comando da seleção feminina, ficou evidente sua capacidade para conciliar os dois trabalhos, além de ser uma honra para o Santos, tê-lo à frente da seleção brasileira feminina de futebol. Ademais, sua dedicação ao Santos, em momento algum conflitou com seu trabalho na seleção e vice-versa.”
Parceiros, Libertadores e exposição
Se a I Edição da Libertadores Feminina, que aconteceu em outubro de 2009 foi um sucesso, o mesmo não aconteceu na II Edição. Na ocasião da Edição I, os jogos aconteceram em Santos e Guarujá, e, tendo as Sereias como representante brasileira, foi fácil ver a Vila com bom público para prestigiar Marta e Cristiane em campo. Já em 2010, os jogos foram realizados na Arena Barueri com público pífio e parca divulgação.
“Nós buscamos parceiros não apenas pelo investimento, mas sobretudo, buscamos o parceiro que estivesse interessado em participar mesmo, como a Copagaz, que levou o futebol feminino para o Centro-Oeste, criando oportunidades para as meninas. Sem dúvida isso foi muito importante para a modalidade. Não basta dizer que está trabalhando com futebol feminino, é necessário um real envolvimento com ele, analisar as prioridades, questão de visão mesmo. Tanto que a demissão de Kleiton me pareceu como a atitude de pessoas que estão descompromissadas com o jogo das meninas.”
Em conversa com Amaro Helfstein, Diretor Comercial e de Operações da Copagaz, o patrocinador explicitou a insatisfação da empresa com os resultados apresentados pelo clube em 2010 em comparação a 2009. Na ocasião da entrevista, concedida em outubro do ano passado, Amaro foi claro: “O resultado apresentado pelo Santos este ano (2010) foi sofrível. A Copagaz está pensando se vale continuar o investimento na equipe. A atual gestão santista deverá ser muito hábil para que continuemos a parceria.” O contrato de patrocínio da Copagaz com as Sereias da Vila findou e não há, por hora, indícios de uma possível retomada.
Segundo Marcelo Teixeira, a demissão de Kleiton é preocupante do ponto de vista da continuidade do trabalho desenvolvido pelo Departamento de Futebol Feminino do Santos e os resultados alcançados durante o ano de 2009: “Os planos envolvendo o Kleiton com o Santos eram bem estruturados, além de ter se firmado, uma identidade entre clube e treinador. A vinda da Marta para o Santos, foi conquistada através do contato dele com seleção brasileira, e, obviamente, por conta da confiança que as atletas tem em seu trabalho, portanto sua demissão pode implicar na interrupção – e já foi interrompido -, de um belo projeto para o futebol feminino do clube. Não que os atuais responsáveis pela gestão santista não tenham capacidade, competência para desenvolver o trabalho em torno deste projeto, mas certamente demorará um tempo para que a confiança seja readquirida, tanto que pode ser observada uma queda de resultados, não em termos de conquista, mas sim em termos de apresentação, exposição e do que representa o Santos no futebol feminino.”
Marta
Esta última passagem de Marta pelo Santos também foi tema abordado por Marcelo Teixeira: “Tomando como exemplo a chegada da Marta para disputa da Copa do Brasil e Libertadores em 2009, tivemos um trabalho de marketing planejado para dar resultado. O marketing da atual gestão, na minha opinião, não está sendo bem conduzido, basta ver como foi trabalhada a II Edição da Libertadores, que devido ao sucesso da primeira edição, tinha tudo para se consolidar e ser mais grandiosa. Mas o que vimos nesta edição de 2010 foi uma média de público baixissima, se comparada com a exposição a primeira. Em 2009, tivemos jogos em horário nobre, com bom público no estádio e com transmissão para a própria cidade. Mas Marta, em 2010, chegou num momento totalmente fora de qualquer competição. Trazê-la em dezembro e janeiro para disputar o que? Pra fazer o que com envolvimento de torcida? Pra se ter uma ideia de como foi mal conduzida a contratação de Marta neste ano, ela pisou na Vila Belmiro uma única vez, e foi em sua despedida, no empate contra a Coréia. Desta vez, não houve um trabalho que promovesse a sinergia da atleta com a torcida, e isso é realmente decepcionante para quem criou a estrutura que criamos para o futebol feminino.”
A influência no comportamento
Não há dúvidas de que após o anúncio da chegada de Marta e Cristiane (até então a atacante havia passado pelo Corinthians em 2008 sem grande badalação), a atenção dada a modalidade aumentou.
Com tanta exposição e com a presença da Melhor do Mundo FIFA, foi inevitável que tantas meninas se sentissem incentivadas a procurar a peneira das Sereiras e registrasse um número recorde de inscritas: mais de mil. “Foi uma loucura! Fiquei realmente impressionado e, confesso, muito emocionado, sobretudo por ver, de certo modo, o resultado do trabalho realizado. Foi um divisor de águas, porque era muito comum ver ou ouvir mães que achavam que as filhas não deviam jogar futebol, porque é coisa de “mulher-macho” e isso foi superado. A vontade de cada menina foi respeitada, independente de qualquer coisa.”, disse o ex-presidente.
Não demorou para que outras equipes que mantém uma equipe de futebol feminina competitiva, notassem que era necessário investir, aprimorar, dar melhores condições e buscar parceiros. Por uma questão de sobrevivência no universo do futebol feminino, equipes do Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste passaram a investir e ampliar suas forças para que pudessem bater a equipe santista na Copa do Brasil. Exemplos: Foz Cataratas/PR, São José/SP, Botafogo/PB, Vitória de Santo Antão/PE, Mixto/MT e até mesmo o Vasco, em parceria com a Marinha que mantém uma equipe que disputa os Jogos Militares, trataram de dar um pouco mais de atenção às meninas.
Marta em ação pelo Santos na Libertadores de 2009
Preocupação com o futuro
O ex-presidente ainda comentou sobre um possível desmanche do Departamento de Futebol Feminino do Santos: “Se na minha gestão desvinculamos o futebol feminino e demos a ele toda uma estrutura, o que implica também em profissionais voltados para as meninas, parece que a atual gestão quer voltar a vincular o futebol feminino para os Esportes Olímpicos, o que significa um retrocesso. Ter um departamento com autonomia para cuidar dos assuntos da modalidade, dá até razão para cobrar resultados de todas as esferas, inclusive das atletas, que veiculam a imagem do clube, gerando até confiança nas mesmas. As próprias meninas deixaram de ter aquele perfil de “coitadinhas” e passaram a ter uma postura de profissionais, possibilitando inclusive, que elas tivessem um ponto de comparação entre o que viviam antes da criação do departamento e agora.”
Marcelo Teixeira disse não ter intenção de se envolver com o futebol feminino de outro clube, até porque não seria nada natural, torcer contra o Santos: “Não faz sentido ir a campo torcer por uma equipe que não seja o Santos. Mas se o Santos não tiver um projeto para o feminino e a modalidade correr sério risco de se perder, e ainda, se alguém como o Kleiton, em quem confio no trabalho, aparecer com um projeto que seja viável, vou apoiar, incentivar e investir sim, para que o jogo das meninas não volte a viver um passado tão triste.”
Marcelo Teixeira exibe seu xodó, a Taça da I Edição da Libertadores Feminina
Pela filha, pela modalidade
O interesse do ex-presidente pelo jogo das meninas se deu primeiro como educador, e como tal observou que nas escolas o futebol não era destinado para as meninas em aulas de educação física, e também por ver em sua filha, a vontade de jogar futebol e não ter espaço para praticar o esporte. “Há um tempo atrás, mesmo nas escolas franqueadas do Santos, as meninas jogavam com os meninos. Hoje não, hoje nós temos o jogo dos meninos e o jogo das meninas. Há quórum para isso. E isso aconteceu a partir do trabalho do Santos com a modalidade, tive a oportunidade de contar, dentro do grupo de trabalho, com a pessoa do Modesto Roma Jr., que como gosto de dizer, foi o Modesto Roma do futebol feminino. Tínhamos uma equipe realmente envolvida com o feminino e tínhamos também projetos, incluindo o Mundial Interclubes, com a chancela da FIFA, e que não foi adiante. Esta é uma das minhas maiores frustrações, já que o Mundial seria importantíssimo para o futebol feminino.”
De qualquer maneira, Marcelo Teixeira diz que os objetivos sonhados para o futebol feminino do Santos foram alcançados e não esconde, em sua sala decorada com faixas de campeão, sua predileção pela Taça da I Libertadores Feminina conquistada pelas Sereias da Vila. E espera que a atual gestão mude sua metodologia de trabalho junto ao feminino, torcendo para que o trabalho realizado não se perca, já que o futuro do Departamento de Futebol Feminino do Santos parece estar indefinido.
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
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